"...de repente eu vi a imagem de um homem, como um
raio de luz, parecia real, mas eu sabia que não podia tocá-lo. Não era um
sonho, eu estava acordada. Senti uma alegria em meu coração só de olhar para
ele e não tive medo"
Maizah* é uma cristã líbia de aproximadamente 20 anos, que
teve que fugir de seu país após ter sido espancada por um grupo de "homens
barbudos" como ela descreve. O incidente ocorreu porque ela não aceitou a
proposta de ser a quarta esposa de um muçulmano. Atualmente, ela tenta esquecer
o passado e está tentando ser curada de seus traumas, agora em um país
ocidental, onde teve a chance de confessar sua fé livremente. A equipe da
Portas Abertas fez uma visita a ela e ouviu seus relatos, principalmente sobre suas
experiências ao ter um encontro com Deus.
Ela ainda tem medo de que alguém descubra onde está vivendo,
por isso, mudou radicalmente sua aparência e o seu nome é fictício por motivos
de segurança. Sua história começa na Líbia,
o 10º país da Classificação da Perseguição Religiosa 2016, onde ser cristão
pode custar a própria vida. "Estar viva para mim já é um milagre. Quando
eu era pequena, houve um incêndio em nossa casa, todos conseguiram sair, menos
eu. Quando meu irmão tentou entrar para me resgatar, minha mãe disse: ‘deixe-a,
não há mais esperança’, mas quando apagaram o fogo, eu estava viva e ilesa.
Quando eu ouvia as pessoas contarem essa história, várias e várias vezes, eu
percebia que minha mãe não se importava muito comigo", conta ela.
Primeiras experiências religiosas
"Aos oito anos de idade, fiz muitas perguntas a minha mãe sobre Deus,
mas ela sempre respondia com raiva. As respostas dela nunca me convenceram.
Passei a frequentar uma mesquita, ligada a uma corrente mística do islã e isso
não incomodava minha família. Mas a mesquita fechou, então fui para outra que
seguia o salafismo, que era ortodoxa e conservadora, dentro do islamismo
sunita. Com nove anos de idade, eu entrei na mesquita vestindo calças
compridas. Naquele dia eu apanhei dos líderes por causa das minhas roupas o que
me deixou chocada. Decidi então não frequentar mais mesquita alguma",
afirma.
"Na adolescência, meu irmão Maizah* se tornou um
salafista, meu pai não era muçulmano devoto e minha mãe passou a se envolver
mais com o islã depois que meu pai a deixou por outra mulher. E eu decidi
buscar a Deus de novo. Entrei em outra mesquita, novamente vestindo calças para
ver o que aconteceria, mas dessa vez ninguém disse nada. Com carinho, as
mulheres explicaram que eu tinha um corpo bonito e que deveria cobri-lo.
Decorei muitos versos do alcorão e minha família não gostou disso, temendo que
eu pudesse me tornar uma fanática. Na mesquita eu me cobria toda, mas para sair
com meus amigos continuei com meu estilo ocidental e não demorou muito para eu
ser chamada de traidora, trapaceira e mentirosa, por isso decidi me
afastar", lembra.
O encontro
"Em 2011, eu estava em meu quarto chorando por causa de alguns problemas
pessoais, quando senti alguém tocar meus pés. Estava escuro, mas de repente eu
vi a imagem de um homem, como um raio de luz, parecia real, mas eu sabia que
não podia tocá-lo. Não era um sonho, eu estava acordada. Senti uma alegria em
meu coração só de olhar para ele, e não tive medo. Ele era muito alto e tinha
os cabelos compridos. Ele disse: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’. Eu
compartilhei a experiência com minha família e só meu irmão se manifestou. Ele
disse somente: ‘Você viu um anjo de Deus’. Isso aconteceu duas semanas antes do
início da guerra civil na Líbia, quando bombas começaram a explodir perto de
casa e tivemos que fugir para o Egito. Foi lá que eu conheci uma mulher cristã
e então eu soube que as palavras daquele homem eram da Bíblia",
compartilha Maizah.
"Meus parentes não gostaram da minha nova amiga, mas eu
estava decidida a saber mais sobre o cristianismo. Eu tive uma experiência
incrível e precisava desvendar aquele mistério. Então ela disse que eu tive um
encontro com Jesus Cristo e aquelas palavras falaram diretamente ao meu
coração. Pela primeira vez eu segurei uma Bíblia em minhas mãos e li aquelas
palavras ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’. Aceitei Jesus e ela disse que
eu seria luz para os líbios. Em pouco tempo fui batizada. Com a ajuda daquela
família cristã, conheci uma igreja doméstica clandestina na Líbia. Na ocasião,
todos nós voltamos ao nosso país. Já em casa, conheci um casal que me instruiu
sobre a Palavra, mas em 2013 eles foram presos. Infelizmente, eles tinham um
caderno de anotações, e o meu nome estava lá, então eu sabia que a polícia me
procuraria em breve. Minha foto estava espalhada por todos os lugares, foi
quando decidi fugir e voltei para o Egito", lembra.
Peregrinando
Maizah estava sendo procurada tanto pela polícia quanto pelos seus
familiares. "Eu tive tanto medo e com a ajuda de alguns irmãos fui parar
na Turquia. De lá, eu planejava ir para a Europa. Fiz uma ligação rápida para
casa, minha irmã atendeu e disse que minha mãe havia sofrido uma paralisia e
que não estava bem. Naquele momento me senti egoísta por estar longe enquanto
minha mãe estava doente, então decidi voltar. Minha família estava esperando
por mim no aeroporto, eles me abraçaram como se nada tivesse acontecido. Quando
entrei em casa, minha mãe estava ali, de pé e muito bem de saúde, foi quando
percebi que era uma cilada. Todos eles me traíram. Levaram-me até a sala onde
havia muitos homens barbudos, vestidos de branco e fizeram um grande
interrogatório, com várias perguntas estranhas. Um deles bateu forte no meu
rosto. Eu quis saber se eles eram da polícia, se eram médicos ou líderes
muçulmanos, mas disseram que não era da minha conta", diz.
"Tive que responder muitas coisas, eles queriam saber
até se eu estava com alguma doença de pele. Eu me levantei e disse que não
responderia mais nada, porque pensei que meu irmão iria me proteger. Mas eles
me agarraram e todos eles me bateram muito. Sei que Deus estava me protegendo,
porque eu não sentia mais dor. Depois, eles ainda fizeram mais perguntas: ‘Quem
te instruiu a ser cristã? Quanto eles pagaram para você se converter? Quais os
nomes dos líbios que se converteram?’. Eles tinham muitas fotos e documentos da
família egípcia que me ajudou. Depois de tudo, ainda fui submetida a exames de
virgindade. Eu não tinha forças em meu corpo nem para me levantar. Me obrigaram
a sentar no sofá e eles gritavam versos do alcorão em meus ouvidos. Disseram a
minha família: ‘ela é uma menina inteligente, mas tenham cuidado, ela é
perigosa e pode enganá-los novamente’. Então eles armaram um plano",
conta.
Proposta de casamento
"Lembro-me de cada instrução que deram a minha família: ‘Não deixem
nenhum telefone perto dela e não permitam que saia de casa nem para estudar’.
Então o xeique disse para minha mãe: ‘O nome dela está na lista de pessoas que
devem ser mortas, se você quiser ver sua filha viva, eu tenho uma oferta’.
Então ele olhou para mim e disse: ‘Case-se comigo. Eu tenho três esposas e você
poderá ser a quarta. Se aceitar minha proposta, então esquecemos tudo isso’. Eu
estava raciocinando muito bem, então pensei em ser mais estratégica do que
sentimental. Fingi aceitar a proposta dele para ganhar tempo. Eu disse que
precisava de um médico antes de me casar, pois meu rosto estava muito
machucado. Meu ‘futuro marido’ concordou imediatamente", relata a cristã.
Fuga e recomeço
Ela conta que ele não queria que eu fosse a um hospital líbio e nem que
soubessem de nada. Então, viajou para a Tunísia com uma "equipe", a
mãe, irmã, primos, tia, que não tiravam os olhos dela. "Na viagem eu não
tive chance de escapar. Mas ao entrar no consultório, vi que Deus havia
preparado um médico para me ajudar. Depois de um longo tempo eles foram me
procurar, mas eu não estava mais lá. O doutor conseguiu um refúgio seguro para
mim, era uma casa só para mulheres. Eu tinha o número do telefone de um líder
cristão naquele país e então ele me ajudou a ir para um país ocidental, onde
vivo até hoje, com a ajuda de muitos irmãos na fé. Eles são minha nova família
agora e vou reconstruir minha vida longe dos meus parentes, com a ajuda do
homem que naquela noite escura entrou no meu quarto e disse ser ‘o caminho, a
verdade e a vida’. Ele é meu Salvador, meu Jesus", conclui.
*Nomes e foto alterados por motivos de segurança.