Jordan Grafman afirma que muitos neurocientistas evitam investigar religião e espiritualidade por receio de serem considerados não científicos.
Fonte: Guiame, Marcio Scarpellini
(Foto: Pixabay)
Em julho de 2023, o neuropsicólogo e professor da Faculdade de Medicina da Northwestern University, Jordan Grafman, detentor do prêmio Humboldt Research Award de 2011 publicou um artigo na renomada revista Nature, sob o título "Os neurocientistas não devem ter medo de estudar religião". Neste artigo, Grafman afirma que muitos neurocientistas evitam investigar religião e espiritualidade por receio de serem considerados não científicos, e defende que o foco da pesquisa deve ser a análise de como a religião se manifesta no cérebro e seus efeitos, sem a intenção de detratar ou promover crenças.
Com o intuito de avançar nessa pesquisa, Grafman firmou uma parceria com a Ciência Pioneira, uma instituição do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) dedicada a pesquisas inovadoras, para criar um centro virtual dedicado à "neurociência das crenças". Essa iniciativa contará com a colaboração de pesquisadores brasileiros e internacionais, incluindo o King’s College London e o Shirley Ryan AbilityLab. O professor coordenará estudos sobre temas como cognição religiosa e as bases cerebrais das crenças, explorando a relação entre crenças religiosas e não-religiosas, entre outros tópicos.
Em entrevista ao GLOBO, Grafman abordou a formação das crenças, argumentando que a escolha de crenças pode ser tanto uma adaptação ao contexto social e cultural, quanto uma decisão consciente, e que até mesmo os ateus possuem representações de Deus em seu sistema cognitivo.
O professor também aborda a relação entre fé e ciência, discorrendo que, embora a ciência tenha avançado na explicação de muitos fenômenos, ainda existem questões que permitem espaço para a busca de respostas a partir da fé. Ele propõe que ciência e religião podem coexistir, com a ciência buscando explicar o que já é conhecido, porém reconhecendo que os campos de conhecimento que ainda não compreende. Grafman propõe mapear as redes cerebrais associadas às estruturas de crença, buscando entender como elas se interconectam e influenciam comportamentos nas mais diversas áreas de crenças.
Grafman também aponta que existe uma resistência dos cientistas em estudar e publicar estudos sobre o tema “espiritualidade”, e esta resistência pode ser atribuída a um dilema social, onde acadêmicos que não acreditam em Deus podem ridicularizar pesquisas sobre o tema. Em oposição a esta posição, ele propõe que essa aversão é um preconceito que deve ser superado, especialmente considerando a importância da religião na sociedade. O professor defende que a pesquisa científica sobre este tema deve focar os efeitos da religião na vida dos indivíduos, buscando explorar as origens e consequencias que tornam a religião um sistema de crenças específico.
Por fim, Grafman destaca que a fé pode ter diversos efeitos positivos, como a diminuição do estresse e o aumento das sensações de bem-estar, e sugere ainda que a crença pode ativar mecanismos cerebrais que ajudam a controlar a ansiedade. A parceria com o instituto brasileiro IDOR é vista como uma oportunidade única de estudar a relação entre crenças, saúde e comportamento, com potencial impacto para a amplicação do conhecimento nesta área.
Abaixo seguem alguns trechos importantes da entrevista:
Pergunta: Escolhemos acreditar em algo ou a fé é algo irracional?
Resposta: Aprendemos a acreditar. Muitas pessoas estão em famílias onde uma crença existia antes de nascerem, assim as crianças são expostas a essas crenças em casa ou em difernetes locais de culto. Então, trata-se de absorver o mundo que está ao seu redor. Você adapta ou adota essa crença por uma variedade de razões. Mas, sim, às vezes as pessoas realmente escolhem seu sistema de crenças. Elas analisam ou têm uma experiência emocional dramática e dizem: vou acreditar dessa forma por causa disso.
P.: Mesmo quem vem de uma família ateia, por exemplo, pode optar por acreditar?
R.: Não acreditar em Deus também é uma crença. Mas certamente é possível escolher suas crenças ou influenciado através da sua exposição. Uma vez que você foi exposto à ideia de Deus ou religião, adivinhe onde está? No seu cérebro. Então, até mesmo ateus têm uma representação de Deus em seus cérebros. Não podem escapar dEle. Por causa disso, isso pode soar radical, mas eu digo: Deus existe. Tenho confiança de que Deus existe no cérebro. Então podemos estudar Deus com segurança e em grande quantidade de detalhes estudando como o cérebro processa, representa e permite nossos comportamentos associados à religião.
P.: Nosso cérebro é projetado para a crença?
R.: Sim, com certeza. O que nós tentamos fazer, como humanos, é tentar explicar os eventos que vemos. Nos tempos amuito antigos, quando um vulcão entrava em erupção ou um terremoto ocorria, por exemplo, questionavam: ‘o que causou isso?’ ‘Quem causou isso?’ Bem, é mais poderoso do que nós humanos, deve ser algum outro ser. Então, muitas das primeiras explicações de eventos naturais eram agentes sobrenaturais. Esse foi o começo. Mas depois evoluiu para uma questão social. Crenças frequentemente ajudam a organizar sociedades, seja uma família, uma tribo ou um país. Se você acreditasse de uma certa forma, poderia pensar que seu grupo é forte e, se houvesse uma batalha, iria vencê-la. Se houvesse uma crença ligada à agricultura, creditaria a ela os frutos de seu trabalho. Isso é parte da evolução humana.
P.: Essas crenças são frequentemente questionadas?
R.: Uma vez que você estabelece uma crença, não precisa se preocupar com certas coisas. Está estabelecido. No entanto, se você não acredita em muita coisa, sua vida pode ser movida pela ansiedade. E quase todo mundo quer reduzir a ansiedade. Nosso cérebro acha muito importante ter essas crenças. Se eu quiser conhecer alguém, quero saber o que essa pessoa pensa e em que acredita. Então, as crenças são uma assinatura para nossas identidades como indivíduos e como grupos.
P.: Muitas questões que dependiam de crenças a ciência explicou. É mais difícil hoje acreditar em coisas sobrenaturais, já que temos a ciência explicando as coisas?
R.: Sabemos muito mais, mas não sabemos tudo. Sim, eu acho que para muitas pessoas, elas têm, por um lado, sua fé. E do outro lado, a ciência e os fatos. Fatos verdadeiros são muito importantes, mas eles não cobrem tudo. Se a sociedade fizer o trabalho certo, espero que façamos, então, enquanto tivermos fatos, podemos dizer que “sabemos disso e não sabemos daquilo”. E então, ainda há espaço para a fé. Por exemplo, não sabermos o que acontece antes da vida. E, em certo sentido, ninguém sabe o que acontece depois.
P.: Como a fé se relaciona com a neurologia?
R.: O primeiro passo é desenvolver conhecimento sobre redes cerebrais relacionadas a diferentes aspectos da crença e prática religiosa. É mapear a religião no cérebro. O segundo é ver a que essas redes estão relacionadas além da religião.
P.: Por que os cientistas evitam estudar espiritualidade?
R.: Existem dilemas sociais e preconceitos que podem levar os cientistas a evitarem esse tema. Muitos acadêmicos não acreditam em Deus e podem ser críticos em relação a pesquisas nesse campo, o que desencoraja investigações mais profundas sobre a espiritualidade.
P.: Como assim?
R.: Fizemos pesquisas sobre crenças e regiões no cérebro importantes para o fundamentalismo. Talvez essas redes estejam próximas no cérebro e sabemos que a ativação em uma rede cerebral pode afetar o funcionamento da rede vizinha. Então, se você for ativo em suas crenças religiosas, isso pode influenciar de uma forma muito sutil suas crenças políticas e vice-versa. E isso nem sempre está na sua consciência. Já sabemos que existe uma relação. Queremos mapear essas redes no cérebro para que possamos ver como elas se relacionam entre si.
P.: Por que os cientistas evitam estudar espiritualidade?
R.: A Ciência não quer falar sobre isso. Em parte, é um dilema social Muitos acadêmicos, não todos, mas muitos, não acreditam em Deus. E eles podem ridicularizar você se quiser fazer uma pesquisa sobre o assunto. Os periódicos não querem publicar artigos sobre o assunto, hesitam. Agora, lembre-se, há mais locais de culto no mundo do que escolas ou prefeituras. Não estamos falando de um pequeno subconjunto de pessoas que vivem em algum lugar perdido. Realmente acho que há esse preconceito social, e não deveria haver, especialmente por causa da importância da religião na sociedade.
P.: Há estudos que apontam que a espiritualidade é boa para a saúde e bem-estar, mas como isso funciona?
R.: De muitas maneiras. Algumas pessoas estão procurando crenças que possam adotar porque é reconfortante, reduz a ansiedade. Mas nem precisamos chegar a isso, considere um placebo. Se você acredita que o que está tomando vai funcionar, geralmente funciona. Esse é um exemplo perfeito de quão frequentemente, cerca de 30% das pessoas se beneficiam de medicamentes placebo. Como isso acontece? Esse é o poder da crença no cérebro, ajudando a estimular, por exemplo, mecanismos anti-inflamatórios, ou ativando processos cerebrais que ajudam a controlar a ansiedade, reduzir o estresse, etc.
P.: Pode falar mais sobre esse centro de estudos no Rio?
R.: É complicado estudar essas coisas no mundo. Então escolhemos, com a ajuda do Centro de Neurociência e Psicologia de Valores e Crenças, o programa IDOR, olhar para o cérebro. Isso elemina muitos dos problemas que vêm com o estudo da religião. E a iniciativa no Rio é muito única e importante, e o impacto vai além do Brasil. É internacional. E também está além da religião. Porque, como falamos, crenças incluem visões políticas, econômicas, sobre outras pessoas. Crenças dão esse repertório.
Minhas observações sobre a entrevista do Dr. Jordan Grafman
A relação entre fé e ciência tem sido tumultuosa e muitas vezes parece ser até infrutífera, mas eu entendo que ambas, como áreas de conhecimento distintas podem contribuir profundamentamente para uma compreensão mais ampla e profunda sobre a experiência da vida humana. Concordo de forma ampla com o pensamento de Lois Pasteur sobre este assunto, quando ele disse que a “...boa ciência nos aproxima do Criador”.
Entendo que, por “boa ciência” devemos considerar aquela que é feita baseada na pesquisa pura, sem pré-definições ou expectativas de encontrar e validar resultados já programados e desejados. Por “Criador”, considero Aquele que cumpra os requisitos necessários pela lógica: um ente que seja atemporal, ou seja, que seja anterior e exterior ao tempo, pois já sabemos científicamente que o tempo teve início e metafísico, pois não pode depender dos compostos físicos existentes e “não criado”, pois se fosse um ente criado seria criação e não criador. Este ente, não pode ter-se desenvolvido a partir de quaisquer outras condições, visto que estas condições propostas seriam necessárias ao ente criador original.
Dito isso, tendo a concordar em diversos pontos com o professor Grafman, mas também a discordar em alguns pontos que julgo importantes. Em sua entrevista é possível inferir que o fenômeno que ele chama de “crença” pode ser equiparado ao efeito placebo, dando então um sentimento de esperança que, por si só, causaria uma melhora em condições de saúde física ou psicológica. Este, parece-me um bom argumento de alguém que não crê em um Deus que cumpra os quesitos apresentados acima, mas, de qualquer forma, é um passo inicial possível para quem deseja se aproximar do campo de estudos da fé, principalmente se o fizer de forma científica, ou seja, a partir da observação fenomenológica.
Outro ponto que é necessário um pouco mais de cuidado, é um assunto um tanto complexo até para os estudiosos de teologia. Trata-se da confusão entre fé e processos religiosos. Entendo que religiosos podem desenvolverse em suas comunidades e práticas liturgicas desprovidos de qualquer sentimento de fé, apenas como fenômeno sociocultural. Enquanto outros indivíduos podem desenvolver estruturas individuais profundamente calcadas em uma sólida e consistente fé, sem, no entanto, dedicar-se a liturgias religiosas específicas. Não estou defendendo estas posições. Estou apenas colocando-as em campos de existência em que não são mutuamente necessárias, ainda que sejam provavelmente consequentes uma da outra.
Por fim, entendo que assim como é necessária uma “boa ciência” e que esta pode levar o cientista para mais perto do Criador, também é necessária uma “boa crença”, pois esta também tem a capacidade de aproximar um indivíduo ao Criador, enquanto uma “crença ruim”, pode afastar indivíduos do Criador, fenômeno que estamos observando em larguíssima escala nos tempos atuais.
Marcio Scarpellini é Pastor, Administrador de Empresas, Pedagogo, Cientista Social, Pós-Graduado em Educação, Política e Sociedade, Antropologia, Neurologia Aplicada à Aprendizagem, Psicanálise e Ciências da Religião. Diretor Escolar, professor e palestrante, é casado há 20 anos com a Patrícia e pai do João Pedro e da Manuella.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.