O país do futebol se demitiu. Bateu as portas e saiu gritando, entre outras coisas mais pesadas, que “o Neymar não vale mais que o professor”. A manifestação evoluiu tão rapidamente, do passe livre ao país livre, que pegou o mundo de surpresa e ainda será preciso “voltar a fita” muitas vezes para entender esse momento histórico. Mas já parece mais lógico do que ousado afirmar que não foram os 20 centavos que acordaram o país. O gigante acordou foi com sede.
Falaram muito mal dos brasileiros quando, no início de 2011, as mobilizações articuladas pelo Facebook derrubavam presidentes nos países árabes, a começar por Tunísia e Egito, na chamada Primavera Árabe. Não muito depois, o agravamento da crise econômica mundial alastrou o desemprego por toda a Europa. Surgiram os “Indignados”, surgiu o “Occupy Wall Street” e a indignação popular ocupou o mundo – ou quase. Do lado de cá, os brasileiros consumiam o que ofertavam pela frente, com toda a fome de quem conheceu a pobreza.
Juan Arías, correspondente do El País no Brasil, questionou a nossa apatia, no artigo “Por que o Brasil não tem indignados?” E a resposta é tão simples que já era um bordão em 1992, no contexto da disputa presidencial estadunidense: “é a economia, estúpido”.
Escalada da inflação
O brasileiro passou fome de consumo e nos últimos anos pôde experimentar um poder de compra praticamente anestesiante: entre 2004 e 2010, 32 milhões de pessoas ascenderam à categoria de classes médias e 19,3 milhões saíram da pobreza, segundo o governo federal. A nova classe média era o fenômeno da mídia e as notícias pareciam falar de extraterrestres: “nova classe média usa smartphone”, “nova classe C já faz compras pela internet”, “agora eles também apostam em intercâmbios – para Chile e Argentina”! Por trás do consumo faminto, no entanto, estava a inflação. Em escalada silenciosa.
Um sinal claro de descontrole dos preços veio à tona com a alta de 122% no valor do tomate no acumulado do ano. Aqui e ali, as prateleiras dos mercados ficavam menos acessíveis, até que bastaram mais 20 centavos na tarifa de ônibus em São Paulo para pingar a gota d’água. Uma causa imediata para o protesto. Pequena, porque é só a última gota. E não há dúvidas de que é legítima: mais do que a gota que provoca o transbordo, ela é da mesma natureza das gotas que a antecederam: politico-econômica. Traduzindo, aquela sensação de que estão mexendo com a sua vida e você não pode fazer nada.
Eu tenho a ver com isso
Depois de descobrir que nada valhem as 1,6 milhão de assinaturas colhidas pela queda do senador Renan Calheiros e que Marcos Feliciano vai, sim, continuar na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados; foi a sede de participação que acordou o gigante.
Também não podemos esquecer de articulações perigosas no governo federal que contrariaram todas as manifestações da vontade pública: o novo Código Florestal, a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, o final trágico do julgamento do mensalão com a tentativa do Legislativo se sobrepor ao Sistema Tribunal Federal, a lei contra os novos partidos e, para acabar (por enquanto), a PEC 37, encurralando o Ministério Público. Como detectou a ex senadora Marina Silva (http://www.youtube.com/watch?v=o3N-yWKYoRc), “por trás da tarifa, a revolta é por sermos apenas espectadores da política.”
O que é horizontal se espalha
Sob a bandeira “se a tarifa não baixar, a cidade vai parar”, o Movimento Passe Livre acabou lançando, em 7 de junho aqui em São Paulo, a convocação que faltava para o cidadão ocupar com os dois pés a cidade que, afinal de contas, já vive parada pelos carros. Essa semana começou com mais de 30 cidades brasileiras em protesto e outras oito cidades no exterior, pela Europa, Estados Unidos e ainda Sidney, na Austrália. Em Londres, havia mais de 7 mil pessoas em apoio ao movimento brasileiro. Mais de duzentas páginas no Facebook convocam os próximos atos.
Os brasileiros seguem o exemplo dos indignados e do #occupy: não tem carro de som, não tem liderança, não tem pauta para negociação. E isso é justamente o que mais preocupa o governo federal, segundo declaração do ministro da secretaria-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. O governo teme porque sabe que as revogações dos centavos nas tarifas não vão saciar o povo. E nem o povo sabe o que será suficiente para acalmá-lo novamente – tomara que não seja o tempo!
Por trás da tarifa, uma democracia com participação
A gota d’água da tarifa de ônibus serve como pauta simbólica. Por trás dela, dividem-se questões a serem investigadas seriamente. Para começar, o preço das passagens nos leva a perguntar para onde vai o dinheiro público. Ou seja, não levará muito tempo para o pleito da tarifa desembocar no maior pedido dos brasileiros: o combate à corrupção.
A queda no conforto e na agilidade das viagens também nos faz questionar sobre a nossa qualidade de vida – que vai muito além da renda, para os governos desavisados – e qual o modelo de mobilidade urbana que queremos.
É claro que tudo isso também se relaciona com a busca por um modelo de desenvolvimento mais sustentável, já que o consumo é o coração da mudança de paradigma e a mobilidade é o símbolo mais evidente da sustentabilidade nas cidades. Porém, uma condicionante essencial à sustentabilidade é a democracia, verdadeira e participativa, pois alicerça a maioria em torno do bem comum e daí tem meios para equilibrar o atual predomínio dos interesses econômicos sob os pilares social e ambiental. Só haverá sustentabilidade com democracia. E sim, a briga aqui ainda é por ela.
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* Nota: trilha sonora. É de uma ironia bem vinda e vibrante que o jingle de um comercial de uma marca de carro, justamente!, tenha virado febre em uma manifestação pelo transporte público! Mas a música que recomendo para o momento foi lançada na decadência da Ditadura Militar de 1982. “É!”, de Gonzaguinha.
É!
A gente quer valer o nosso amor
A gente quer valer nosso suor
A gente quer valer o nosso humor
A gente quer do bom e do melhor…
A gente quer carinho e atenção
A gente quer calor no coração
A gente quer suar, mas de prazer
A gente quer é ter muita saúde
A gente quer viver a liberdade
A gente quer viver felicidade…
É!
A gente não tem cara de panaca
A gente não tem jeito de babaca
A gente não está
Com a bunda exposta na janela
Prá passar a mão nela…
É!
A gente quer viver pleno direito
A gente quer viver todo respeito
A gente quer viver uma nação
A gente quer é ser um cidadão
A gente quer viver uma nação…
*Ana Carolina Amaral é jornalista formada pela Universidade Estadual Paulista. Colunista de sustentabilidade, foi repórter de TV e de portais online, cobriu conferências internacionais como a C-40 e a Rio+20 e fez assessoria política e de 3o Setor. Atua há 12 anos em movimentos socioambientais e é moderadora da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental.
Fonte: (Mercado Ético)
Estou alegre por encontrar blogs como o seu, ao ler algumas coisas,
ResponderExcluirreparei que tem aqui um bom blog, feito com carinho,
Posso dizer que gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
decerto que virei aqui mais vezes.
Sou António Batalha.
Que lhe deseja muitas felicidade e saúde em toda a sua casa.
PS.Se desejar visite O Peregrino E Servo, e se o desejar
siga, mas só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.
Irmão Batalha obrigado pelas palavras de isentivos. Visitarei sim seu blog. Deus continue te abençoando mais e mais.
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