Muito
se tem discutido sobre a legitimidade do dízimo durante o regime da Nova
Aliança. Para muitos, com o fim da Lei, encerra-se também a obrigatoriedade do
dízimo. Vamos deixar as paixões de lado, e examinar o assunto com o coração
aberto.
De
fato, o dízimo figura nas Escrituras Sagradas mesmo antes da instituição da
Lei. Portanto, o Dízimo já era praticado muito antes de Moisés receber as
tábuas no Sinai. O escritor de Hebreus diz que o patriarca Abraão separou o
dízimo de tudo, e o entregou a Melquisedeque, sacerdote de Salém. Nesta
passagem é dito que o fato de Abraão lhe haver entregue o dízimo demonstrava o
quão grande era Melquisedeque (Hebreus 7:4). Portanto, tributar-lhe o dízimo de
tudo era o mesmo que reconhecer sua superioridade. Abraão, o menor, foi
abençoado por Melquisedeque, o maior (Hebreus 7:7).
Ainda
não havia templo em Jerusalém, nem mesmo havia sido instituído o sacerdócio
levítico, mas isso não impediu que o patriarca entregasse seus dízimos.
Portanto, cai aqui a ideia de que os dízimos só valiam enquanto houvesse um
templo para ser mantido. O Dízimo já era praticado muitos antes de haver templo
em Jerusalém.
Somente
séculos depois, com a instituição da lei, os filhos de Levi foram autorizados
por Deus a “tomar o dízimo do povo, isto é, de seus irmãos” (v.5). Neste caso,
“recebem dízimos homens que morrem” (sacerdotes levíticos), mas no caso de
Melquisedeque, figura de Cristo, “os recebe aquele de quem se testifica que
vive” (v.8). Portanto, onde haja sacerdócio, ali também haverá quem receba
dízimos.
Alguém
poderá objetar dizendo que não há nenhuma palavra sobre o dízimo no Novo
Testamento. Ledo engano! O próprio Jesus o endossou ao censurar a hipocrisia
dos religiosos de Seu tempo:
“Ai
de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Dais o dízimo da hortelã, do endro e
do cominho, mas negligenciais o mais importante da lei, a justiça, a
misericórdia e a fé. Devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas”
(Mateus 23:23).
Mais
claro que isso? Impossível. Jesus não os censurou por darem o dízimo, e sim por
omitirem aspectos mais importantes da lei. Deveriam ser zelosos tanto na
entrega do dízimo, quanto na observação da justiça, da misericórdia e da fé. E
repare quão detalhistas eles eram. Davam o dízimo até do tempero da comida!
Pode
até parecer legalismo de Sua parte, mas Jesus declarou que se a nossa justiça
não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entraremos no reino dos
céus (Mt.5:20).
A
graça nos ensina a ir muito além do dízimo!Por que Paulo e os demais apóstolos
não precisaram ensinar sobre o dízimo? Porque para os cristãos primitivos, dar
o dízimo era fichinha. Eles aprenderam a ir muito além do dízimo.
Também
convém salientar que se os apóstolos fossem contrários ao dízimo, eles teriam
combatido-o com a mesma veemência com que combateram a circuncisão (também
anterior à Lei).
Os
mesmos que hoje combatem o dízimo deveriam reconhecer que se o Evangelho chegou
até nós, foi graças à fidelidade daqueles que deram muito mais do que o dízimo,
patrocinando empreendimentos missionários ao redor do globo.
Entregar
10% de nossos rendimentos é dar o que já é esperado. Jesus nos ensinou a
transpor os limites das expectativas que nos são postas.
Veja
o que Ele diz sobre isso:
“Se
alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. E se alguém quiser
demandar contigo e tirar-te a túnica deixa-lhe também a capa. Se alguém te
obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas” (Mateus 5:39b-41).
Este
princípio também se aplica à questão das contribuições na igreja. E podemos ver
um exemplo disso na segunda epístola de Paulo aos Coríntios, onde o apóstolo
dos gentios dá testemunho da surpreendente atitude dos irmãos das igrejas da
Macedônia. Devido à sua pobreza, Paulo quis poupá-los de ter que enviar ofertas
para a igreja em Jerusalém. Porém eles imploraram para participarem desse
privilégio (2 Co.8:4).
“Sua
profunda pobreza transbordou em riquezas de sua generosidade. Pois segundo as
suas posses ( o que eu mesmo testifico), e ainda ACIMA DELAS, deram
voluntariamente (...) E não somente fizeram como nós esperávamos, mas a si
mesmos se deram primeiramente ao Senhor, e depois a nós, pela vontade de Deus”
(vv.2b-3,5).
Entregar
o dízimo é dar de acordo com a nossa posse. Uma das coisas que me causam
admiração no dízimo é que ele nivela a todos dentro da congregação. Ninguém dá
mais, nem menos. Tanto o dízimo de um empresário bem-sucedido, quanto o de uma
empregada doméstica têm o mesmo valor, a décima parte.
Porém,
somos desafiados pelo Senhor a sermos imitadores das igrejas da Macedônia,
transpondo a lei do Dízimo, e dando além de nossas posses.
Interessante
que Paulo dá testemunho da generosidade dos Macedônios em sua carta aos
Coríntios, e ao mesmo tempo diz que se gloriava da prontidão dos Coríntios
perante os Macedônios (9:2). Generosidade e prontidão devem andar de mãos
dadas.
Se
deixarmos a obra de Deus por último, talvez não sobre nada. Temos que aprender
a colocar o reino de Deus em primeiro lugar. Nossas contribuições, sejam a
título de dízimo ou de oferta, devem ser preparadas de antemão, e que sejam
expressão de generosidade, e não de avareza (v.5).
Muita
gente dá o dízimo como o desencargo de consciência. Acham que já estão fazendo
muito. O dízimo deve ser considerado o piso, e não o teto de nossas
contribuições.
A
mesma passagem usada pelos pregadores para exortar a igreja a ser fiel nos
dízimos, também menciona outro tipo de contribuição que estava sendo sonegado.
Repare no que diz a passagem em questão:
“Roubará
o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos
dízimos e nas ofertas alçadas” (Ml.3:8).
Nem
todo mundo está devidamente familiarizado com a expressão “oferta alçada”. A
maioria de nós sequer ouviu falar disso. Oferta alçada é qualquer oferta cujo
valor exceda o valor do dízimo.
O
que os cristãos macedônios estavam fazendo era cumprir este mandamento. Oferta
alçada é aquela que vai além de nossas posses.
O
Dízimo é o mínimo que um cristão pode fazer pela manutenção das obras
realizadas pela igreja.
Dele
dependem aqueles que vivem do Evangelho. Ministros que se dedicam integralmente
à igreja, e quem têm filhos para criar, aluguel de casa pra pagar, contas,
compras, etc. Alguns são obrigados a cumprir jornada dupla, porque a igreja não
atende às suas necessidades. Não nada de mal nisso. O próprio Paulo teve que
fazer tendas para garantir sua subsistência por um tempo. O problema é que, ao
trabalhar fora, o pastor já não poderá dedicar cem por cento do seu tempo ao
rebanho.
O
padrão estabelecido pelas Escrituras está claro:
“Assim
ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho”
(1 Co.9:14).
Veja
ainda a recomendação de Paulo a Timóteo:
“Os
presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra,
principalmente os que trabalham na palavra e no ensino. Porque diz a Escritura:
Não atarás a boca do boi quando debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário”
(1 Tm.5:17-18).
Se
as igrejas abolissem os dízimos, e contassem exclusivamente com as ofertas
voluntárias, como se manteriam e fariam planos para o futuro?
A
vantagem do dízimo é a sua regularidade. Dá pra se fazer um planejamento,
comprar uma propriedade para igreja, contratar novos funcionários, enviar
missionários, etc., porque se tem um orçamento fixo.
A
diferença básica entre dar o dízimo na Lei, e entregá-lo voluntariamente na
Graça está na motivação com que se faz. O que se faz sob a Lei, se faz por mera
obrigação religiosa. Mas o que se faz sob a égide da Graça, se faz por
gratidão.
Detesto
constatar que a maioria daqueles que dão o dízimo, o faz por medo de um suposto
espírito maligno identificado como “o devorador”. Definitivamente, não há
demônio ou legião com este nome. O que a Bíblia chama de “devorar” são as
circunstâncias adversas sobre as quais não temos poder. Mesmo sabendo que o
Senhor repreende o devorador, não deve ser esta a nossa motivação.
Seja
a título de dízimo ou de oferta voluntária, tudo o que fizermos deve ser feito
por amor e gratidão, jamais por coação ou constrangimento.
Hermes
C. Fernandes
Fonte: blog Oleiros do Rei